Após consulta à minha família nuclear e alargada, que me deu todo o
apoio, e até me surpreendeu, ao declarar que eu nem devia ter ido ter
consigo, mando-lhe este pequeno memorando do nosso encontro do dia 24
de Novembro, na Assembleia Nacional.
Na verdade, como deve ter sabido, a minha primeira decisão era não ter
ido ter consigo, pela forma como fui abordado, como se eu fosse um
desocupado, à chamada de um senhor misericordioso; e também não iria
ao seu encontro por desconfiar que me iria dar lições atávicas, sobre
as minhas opiniões, como cidadão e académico, em relação ao momento
constituinte, que tem suscitado uma grande audiência em Luanda e no
exterior, já que vocês, sem nenhum pejo, barraram todo o contraditório
em relação ao interior do país, simulando uma grande generosidade em
fazer participar o país na elaboração de uma constituição que vocês já
sabem qual será.
Só que com o seu cinismo, conseguiu que o camarada Faustino (Muteka)
me convencesse que seria uma conversa entre camaradas que iriam trocar
ideias, neste momento importante.
Aquilo foi mais degradante, não sei quantas vezes, do que o meu
encontro com os camaradas João Lourenço, Paulo Jorge e Nvunda, em
2001, quando eu opinava publicamente sobre a urgência da paz. Devo
reconhecer hoje, ter sido injusto com eles porque, foram certamente
pessoas como o camarada Matross que os empurraram para aquele cenário,
que até não foi tão triste assim, até porque bastante cordial.
Vocês não conseguem nem ter sentido de humor e um mínimo de
informalismo, como a camarada Joana Lina, que quase não aceitou os
meus cumprimentos, toda ela feita deusa de uma religião que eu não
professo.
Pela forma arrogante como me falou não vou mais insistir nas opiniões
que tentei trocar consigo, porque vi que o senhor não estava
interessado em dialogar, mas apenas em tentar impor-me ideias que -
diga-se, mais do que imaginava, horrorosamente atávicas.
No entanto, quero que fique bem claro que, para mim, as conclusões
daquele encontro são as seguintes:
1-Reitero, por minha livre vontade, que continuo ligado
sentimentalmente ao MPLA (talvez deixe de fazer essa referência
pública, e deixe de referir que vocês são meus amigos, se isso tanto
vos perturba) conservando o meu respeito ao Presidente do Partido, mas
sem temor (como temer um combatente na luta contra o medo colonial e
não só!?). O que penso, a partir do nosso último encontro (pode ser
que esteja enganado!), é que são vocês que o apoquentam com a ideia de
que qualquer referência a ele, desde que seja crítica (mesmo quando
positiva) é falta de respeito, é “falar mal do Chefe”, etc., etc.,
etc..
2- Fica claro que como docente, conferencista e cidadão, ninguém, mas
absolutamente ninguém, me obrigará a distorcer as minhas convicções
científicas, a favor de ideias de um partido qualquer, por mais
maioritário que seja e por mais da minha cor que seja. É aí que vocês
inventam que eu falo mal do Presidente do Partido, quando as
referências são feitas a um cidadão que é Chefe de Estado e
especialmente na sua qualidade de Chefe de Governo, num momento
importante, em que todos nós temos o dever cívico de contribuir sem
medo. Para mim o tempo da vovó Xica de Valdemar Bastos: “não fala
política”, já lá vai há muito tempo. Paradoxalmente, o camarada Dino
Matross, foi um dos grandes obreiros desta gesta. É pena! Era para nos
tirarem o medo dos estrangeiros e nos trazerem o vosso medo?! Eu
recuso-me a tremer perante qualquer tipo de novos medos.
3-Aquelas referências que fez, de forma tão sobranceira e até
ameaçadora, sobre o camarada Chipenda (por quem, da lista, nutro um
grande respeito), do Paulino Pinto João (degradante!) e de Jonas
Savimbi (se não andasse distraído saberia que eu nunca entendi bem das
suas razões) foi das coisas mais inacreditáveis na minha vida. O
camarada Matross a deixar transparecer que me presto a mendigar os
vossos favores ou que tenho medo de perder a vossa protecção? Ainda
não se apercebeu que não?!
Neste ponto, saiba que a minha família e amigos, sobretudo os que
vivem no Huambo e um pouco por todo o país, reiteraram-me o seu total
e pleno apoio, no sentido de que nem que eu venha a comer raízes e
ervas (que até são mais saudáveis que as comidas importadas) não irei
pedir esmolas a ninguém, o que não significa dispensar os meus
direitos e garantias perante as instituições competentes do Estado.
4-Declino o convite que o camarada diz ter pedido para mim, ao
Presidente do Partido, para ser convidado ao VI Congresso do MPLA. Não
aceito a perspectiva chantagista, condicionante e ameaçadora que
deixou transparecer do tipo: “se não for então que não se arrependa”
ou “então será abandonado”.
Como costumo dizer, desde a “Queda do Muro de Berlim”, em 1989, que
estou preparado, sobretudo espiritual e psicologicamente, para não
viver a custa de lugares em qualquer partido. E a mensagem que passo
sempre aos meus alunos _ e tenho moral para isso _ é esta:
“preparem-se como bons profissionais, para a vida; podem aderir a
partidos ou assumir cargos políticos, mas não dependam deles em nenhum
sentido, porque podem ser enxovalhados, em alguma altura”.
5-Espero nunca mais ser perturbado quando falar, nas minhas vestes de
cidadão e estudioso do Direito. Se a questão é alguma comunicação
social, que ainda não se vergou às vossas pressões, andar a divulgar
as minhas ideias, o problema não é meu. Mandem fechar tudo o que não
fale a vosso favor e deixem-me em paz.
6- Olhem à volta e vejam como arrastam o MPLA à situação de ser o mais
retrógrado dos então chamados partidos progressistas de África!
Incapazes de perdoar, do fundo do coração (já nem falo da UNITA e dos
chamados “ fraccionistas”) até os próprios fundadores do nosso
glorioso Partido, como os irmãos e primos Pinto de Andrade; e um
Viriato da Cruz, de cujo punho brotaram estrofes esplendorosas, para
uma África chorosa mas em “busca da liberdade”, usando palavras de
outro vate da liberdade; o Viriato da pena leve e elegante que riscou
o próprio “Manifesto”, donde nasceria uma das mais notáveis siglas da
humanidade; sigla que vocês vão, hoje, transmitindo às novas gerações,
como o símbolo do culto e da correria atrás de enxurradas de dinheiro
e de honrarias balofas!
Triste espectáculo que fingem não ver!
Com certeza, já mandaram chamar o nosso “mais novo”, o deputado
Adelino de Almeida para nunca mais escrever, como escreveu aquele
artigo tétrico, no “Semanário Angolense”, após o desaparecimento do
malogrado, talentoso e insigne tribuno, também nosso “mais novo” o
ex-deputado André Passy. Dos textos dilacerantemente irónicos do
ex-deputado Januário, mas exprimindo com arte as misérias (sobretudo
do foro espiritual) que estão a ser criadas neste país, provavelmente
nem se importam de reparar: pois, para além de ser já um “ex” é um
“mijão de calças”, mesmo aos quase 50 anos, como o camarada Matross
gosta de taxar “carinhosamente” todos os jovens que despontam com
ideias diferentes das vossas. Por maioria de razão, o mesmo destino
(cesto de papéis!) deram, certamente, àquele pujante libelo acusatório
de um jovem, a sair dos vinte anos, que me fez chorar (das poucas
vezes que chorei, em vida!) onde a vossa e minha geração são postas
diante de uma realidade, nua e crua, do amordaçar de sonhos e
liberdades que vocês nos anunciaram a todos, mas que ele e os da sua
geração só os encontram nos livros de história e no canto esperançoso
dos poetas (falo do jovem Divaldo Martins, que também escreveu no
“Semanário Angolense”!).
7- E sobre todas estas coisas, não mais falarei com o camarada Dr.
Dino Matross. Estou indisponível. A não ser em debate público.
Política, na verdade, diversamente do que vocês querem impor,
contrariando (mesmo neste tempo de democracia pluralista), o grande
Agostinho Neto, que disse não dever ser um assunto de “meia dúzia de
políticos”, terá que ser, e será, inexoravelmente, uma questão fora do
esoterismo a que vocês a querem submeter, em Angola.
Estou cansado das vossas chantagens e humilhações. Por enquanto, é
este o meu manifesto contra o medo e contra uma ditadura do silêncio
que não aceito.
Obs.: Como vocês gostam de distorcer as coisas, guardo cópia deste
documento que será distribuído a meus familiares e amigos e, quem
sabe, chegará aos militantes de corações abertos, que ainda não os
fecharam, ante a vossa inigualável capacidade de manipulação! Quem
sabe a todo o país e ao mundo, que para vós não passa dos arredores da
Mutamba e da marginal da baía de Luanda?!
Sem mais
Luanda, aos 29 de Novembro de 2009
Marcolino Moco (Militante livre do MPLA)"